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Quando desprezamos um tesouro

Morávamos numa cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul, de nome Campo Novo, com pouco mais de 5.200 habitantes e ali perto, em outra cidadezinha, chamada de Braga, que hoje não tem mais de 3.700 habitantes, morava a minha irmã. Sempre a visitávamos, me lembro que, ainda em meus tenros 8 anos, caminhávamos 17 quilômetros para ir visita-la e depois 17 quilômetros para voltar. O caminho era de terra e sempre que íamos vê-los, meu pai, mãe e meu irmão, levávamos mexericas, maçãs, água, bolachas ou alguns pãezinhos para sentar-nos a beira da estradinha, numa sombra (obviamente) e deleitar-nos do passeio.

Minha irmã já havia se casado há tempo, tinha 5 filhos e seu marido cuidava de um hotel, que tinha um restaurante no salão principal, que também servia de salão de baile, no andar térreo. Na parte de cima do hotel ficavam os quartos. Apesar de tê-los visitado várias vezes, nunca tínhamos ficado para dormir, mas desta vez o tempo nos pegou de surpresa, fazendo com que a torrencialidade de uma chuva nos forçasse a ficar.

Contra a vontade de meu pai, que queria voltar de qualquer maneira para alimentar os animaizinhos que criávamos. Porquinhos, galinhas, um cavalinho, patos, entre outros poucos que tanto nos davam trabalho, mas também serviam de alimento e de diversão.

Antes de ir dormir os adultos tomaram suas cervejas no restaurante e nós crianças ficamos brincando correndo entre os quartos que estavam vazios do hotel. Foram momentos deliciosos, pois meus sobrinhos (que tinham idade para ser meus primos) eram muito espertos e muito ágeis. Mas chegada a hora de dormir fomos todas as crianças para um quarto grande, onde cabíamos todos os 7 em beliches e pudemos continuar a brincadeira, porém desta vez deitados e conversando.

Foi quando Marcos o mais velho de nós, que devia ter uns 13 anos na época, começa a contar, principalmente a mim e a meu irmão a seguinte história:

– Não tenham medo se durante a noite, escutarem panelas batendo, louça sendo lavada, cadeiras se arrastando e fogão a lenha sendo ariado… Uma vez chamamos o padre para vir benzer o hotel, ele veio e disse que não viu nada demais, e decidiu ficar a noite para comprovar os boatos. Todos nós da família escutamos panelas batendo, cadeiras se arrastando, louça sendo lavada e o padre não ouviu sequer um barulhinho. Achamos estranho, só nós da família escutamos… Para tirar a dúvida, convidamos o padre para passar mais uma noite e assim aconteceu mais uma vez, só nós da família escutamos, ele não.

– Mas então não preciso me preocupar, pois somos de outra família – afirmou me irmão Claudio, tentando se livrar da maldição e do medo que ela lhe provocava…

– Espero que não, retrucou Marcos. Nós já estamos acostumados e dormimos apesar dos barulhos, mas talvez, se vocês escutarem, como estão acostumados a dormir com silencio, talvez escutem…

Após, todos ficamos em silencio, principalmente eu e Claudio, que não cabíamos dentro de nossos pijamas de tanto medo. Demorei para dormir e repente, horror!!!! Escuto Claudio dormindo e roncando.

– Desgraçado, me deixou sozinha! Pensei.

Aos 15 minutos escuto, panelas batendo, fogão sendo ariado, mesas sendo arrastadas, fiquei aterrorizada e sai correndo em direção ao quarto de meus pais, o quarto número 08. Mas antes, olho para baixo e vejo uma trouxa de roupa indo de um lado para outro do salão e quando abro a porta de onde meus pais deveriam estar, vejo sentado a cama a imagem, do que hoje, acredito ser o Diabo, pois era vermelho, barbudo e tinha chifres enormes, um ser repulsivo, com um bigode horroroso e muitos pelos saindo de sua cara. Estava sentado, olhando para mim, com aqueles olhos negros e amarelos, rindo.Mais pavor ainda, comecei a gritar e meus tios apareceram no corredor, e logo depois meus pais saíram de um quarto duas portas depois, era o quarto 06, eu estava errada…

Nunca mais dormi ali, nem naquela noite, consegui mais dormir. Mas, hoje, passados 60 anos, penso que pode haver sido minha imaginação, talvez… Mas de uma coisa me arrependo, lá na cidade há uma lenda que conta que onde há uma roseira que cresce muito e se transformando em árvore, é porque ali deve haver um tesouro escondido. E pensando comigo, se somente nós víamos ou ouvíamos os fatos estranhos, deveríamos ter cavado no pé dessa roseira bem na frente do hotel, no jardim, pois se os sinais eram só para nós, talvez o tesouro fosse para nós da família. Mas alguns anos depois meu cunhado vendeu o hotel e se mudaram de lá. Inocentes nós, que não soubemos interpretar os sinais, naquele então…

Eloisia Cardoso Lemos – Canoinhas/SC – Brasil

Quando desprezamos um tesouro
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