1.267 leituras

O castelo de amor

A história conta que seu nome era João Pedro e que era uma homenagem a seu avô que havia caminhado por 4 semanas até chegar a San Juan na Argentina, em pleno inverno, para ver seu amor, a argentina Deolinda, que viria a tornar-se famosa de maneira póstuma por ter morrido e seguir amamentando seu filho por 24 horas…

João Pedro, a seus 20 anos se apaixona por uma linda mulher, Violeta, 7 anos mais velha que ele, que morava na mesma cidade, Los Andes, a 80 quilômetros de Santiago, na fronteira com a Argentina. O grande dilema que João Pedro vivia era que Violeta era casada e era uma mulher feliz em seu casamento, apesar de não ter filhos já em idade avançada para a época.

O ano era 1883 e o Chile participava de uma terrível guerra, a Guerra do Pacífico, que levara uma grande parte da população masculina da cidade, que naquela época não contava com mais de 4 mil habitantes. Os meses foram passando e o marido de Violeta, na guerra, não mandara mais notícias e nenhuma carta chegara até que em outubro declara-se o fim da guerra e todos saem às ruas comemorar. João Pedro vai ao Bar do Pedro, onde depois de tomar uma chicha¹ de maçã bem gelada com seus amigos, avista Violeta passar caminhando, com a cabeça baixa e seu amor se sente fortalecido, mas com nenhuma notícia do soldado, marido de Violeta, havia chegado, ele se comporta como um cavalheiro e continua tomando a sua chicha.

O tempo passa e João Pedro recebe a notícia de que o marido de Violeta morreu, foi morto no Peru, numa batalha, dias antes do exército chileno entrar em Lima. Então, João Pedro decide ir até a casa de Violeta, dar-lhe os pêsames. Mas ele não se contem e ao abraça-la tenta dar-lhe um beijo, mas Violeta lhe devolve a tentativa com um tapa:
– Você não vê que estou de luto? Pergunta Violeta.

– Desculpe Violeta, é que sou completamente apaixonado por você e gostaria de expressar-lhe meu amor… Quando você se recomponha, por favor, pense nisso. Você tem o direito de ser feliz, mesmo depois de tão triste notícia.

Os dias passam, Violeta enterra seu marido e, alguns meses depois começa a pensar na proposta de João Pedro, mas naquela época, ser viúva era uma posição social definitiva, a mulher não tinha uma segunda chance e, além disso deveria usar roupa preta para o resto de suas vidas. Violeta estava sofrendo muito, apesar de que seu marido estava na guerra já há dois anos e ela já estava acostumada a viver sozinha, mas sofria por saber que nunca mais o veria e que deveria passar o resto de sua vida sozinha.

No final de ano ela se encontra outra vez com João Pedro na festa de final de ano na rua central da cidade.

– Violeta, cada dia mais linda, apesar de que a dor tirou o sorriso de seu rosto. Você pensou na minha proposta?

– Muito, me sinto muito sozinha, mas você sabe, uma viúva deve morrer viúva.

– Eu conheço uma caverna nas cordilheiras, a convido a morarmos juntos lá. Prometo faze-la feliz até o último dia de sua vida, ou da minha.

Violeta passou vários dias pensando na proposta de João Pedro. Sua cabeça estava estática na proposta, não aguenta e sente-se obrigada a contar à sua irmã, Sofia:

– Se você fizer isso, eu nunca mais te olho na cara e você sabe que o pai também não vai te perdoar.

– Mas você acha que devo seguir infeliz?

– Infeliz ou não, você tem que continuar sozinha, assim é a vida desta cidade.

Poucos dias depois, João Pedro, ao atravessar a rua Chacabuco se encontra com Violeta, seu coração palpita mais forte, ele sente que algo mudou e então pergunta-lhe despretensiosamente, se havia pensado em sua proposta:

– Sim, pensei e aceito. Amanhã ao nascer do sol eu te espero, para a gente ir embora daqui.

E assim eles foram embora, ao amanhecer foram vistos, com uma trouxa nas costas e caminhando em direção das cordilheiras dos Andes e nunca mais ele foi visto.

Alguns diziam que Violeta era vista sempre na cidade comprando comida, a troco de pepitas de ouro, mas João Pedro nunca mais foi visto e nem seus pais sabiam contar sobre seu destino.

 

Castelo de Amor

Depois de 37 anos, Violeta, quase irreconhecível, aparece na cidade e volta a morar em sua velha e agora totalmente deteriorada casa. Sofia tinha morrido, assim como João Pedro e quando seu vizinho lhe pergunta por seu amor ela responde:

– Foi meu segundo marido, mas meu maior amor. Com ele apesar da pobreza e das carências, fui a mulher mais feliz do mundo, um homem digno e muito trabalhador. Vivemos por 37 anos nas montanhas, numa caverna, ele me chamava de princesa e eu o chamava de “meu rei”. Ele plantou uma flor, ao lado do carreiro que eu tinha que fazer para a cidade, a cada passo que eu tinha que dar. Além disso, ele escavou nas pedras e nas montanhas mais de mil degraus para que minha caminhada fosse mais segura e mais tranquila até a cidade. Quando eu chegava da enorme caminhada ele me esperava com massagem nos pés e nas pernas e nosso colchão era de flores e de folhas de algarrobo² , o chão de nossa caverna era todo forrado com folhas de ervas medicinais aromáticas… morávamos num castelo de pobres, mas sempre era muito limpo e cheio de amor. A cada aniversário meu, ele me dava de presente uma pepita de ouro que não sei onde encontrava nas montanhas. Nunca as usei e guardei cada uma delas nesta caixinha. Violeta mostra as pepitas ao vizinho, deixando cair uma lágrima… Ela percebe que havia nascido para ser sozinha…

Curiosamente, Violeta, em poucos dias passa de ser uma viúva pecadora à mulher mais desejada de toda a cidade.

 ¹Chicha – bebida de maçã feita artesanalmente, tradicional no Chile.

²Algarrobo – uma árvore de porte médio, muito comum no Chile, Argentina, Uruguai, Peru e no sul do Rio Grande do Sul.

Autor
Meu nome é Alvaro Concha, tenho 4 filhos, moro em Porto União, no estado de Santa Catarina, no sul do Brasil.

 

O castelo de amor
Avaliação: 4.8 estrelas
Total de votos: 8

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *