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Quando o amor acontece

Esta história ocorre na década de 1950, quando os meios de comunicação eram muito escassos e caros para a população comum, como nossa família sempre foi. Sempre morei na segunda maior cidade do Chile, Concepción (hoje uma cidade de 250.000 habitantes) e éramos uma família de classe média normal e muito feliz.

Meu pai, apesar de ser um homem muito bom, gostava muito de jogar e naquela época passamos de ser uma das famílias mais ricas da cidade (andávamos de Mercedes Benz e chofer, com uniforme e luva branca) para uma simples família de classe média. E provavelmente por essa perda de status ficou difícil conseguir marido para mim e para uma irmã. Na época quando as meninas completavam 17 anos já era hora de se preocupar com casamento e eu já tinha meus 22 e sem nenhum pretendente. Minhas primas já todas casadas nos contavam como era a vida conjugal e familiar e, obviamente, sempre nos perguntavam o porquê de nós ainda não nos casarmos, a resposta era sempre:

– Nosso pai só aceita nosso casamento se for com um general!

Até que um dia, minha prima Herta me trouxe um anúncio de um jornal da cidade, informando que havia um sistema correspondência chamado “Amigo por carta” que permitia que pessoas de todo o mundo trocassem correspondências. Escrevi imediatamente, enviando uma boa parte de minha mesada para me inscrever. Esperei ansiosamente por uma resposta por 25 longos dias e ela veio em forma de 10 endereços de rapazes que viviam em 7 países diferentes. Como 4 deles eram na África, 2 deles na Ásia e 2 falavam inglês, me restaram apenas 2, um da Espanha e um do México, ambos meu idioma. Escrevi-lhes imediatamente e em mais 30 dias recebi ambas as respostas.

E assim fiquei trocando cartas (sempre religiosamente perfumadas), fotos e pequenos presentes por 5 meses com os dois moços, até que Ángel, o espanhol se declarou e me pediu em namoro. Curioso o fato e difícil a decisão:

– Como entregarei meu coração a alguém que mal conheço e que vive do outro lado do oceano?

Demorei 15 longos dias de inverno chuvoso (como todo inverno chileno) pensando, até que por fim decidi aceitar. Porém impus uma condição, poderíamos namorar, mas teríamos que nos casar em no máximo 1 ano e ele teria que vir ao Chile em no máximo 120 dias para me conhecer. Após 25 longos dias recebi a resposta: Aceito as condições, em no máximo 120 dias estarei aí com você!Por favor conte-me como é o Chile e sua família.

 

 

Quando o amor acontece

Se 25 dias (tempo que levava entre enviar uma carta e receber a resposta) eram demorados, vocês podem imaginar os próximos 120 dias… Porém uma tragédia aconteceu no 90º dia, a mãe de Angel faleceu, derrubando todo nosso planejamento. A carta que contava a história era profundamente triste, senti o sofrimento de Ángel, por sua letra, suas palavras e pela ausência de seu perfume na carta. Mas curiosamente 5 dias após receber sua carta, recebi uma segunda. Nessa carta Ángel me informava que iria se casar comigo na Espanha, por procuração e solicitava que eu fizesse o mesmo no Chile. E assim procedemos, ele se casou comigo (sem eu estar junto um algum cartório na Espanha) e eu me casei com ele (num cartório chileno num lindo dia de sol, vento e céu azul). Apesar de ser um dia lindo e feliz, tive uma mistura de sentimentos, pois ao mesmo tempo estava ansiosa por conhece-lo, preocupada com seu caráter e solitária por não tê-lo a meu lado. Aproveitei para escrever-lhe uma linda carta de amor explicando-lhe sobre minha amável família e meu lindo país, o Chile. Reportei-lhe sobre as montanhas, sobre a neve eterna, sobre o lindo oceano Pacifico que o banha, sobre as frutas, sobre as delicias culinárias, sobre nossa cultura e nosso folclore.

Dois meses depois vem a noticia, ele pegaria o Caupolicán, um navio que o traria até Talcahuano (um porto próximo) e chegaria em 35 dias. Passavam-se até aquele momento, aproximadamente um ano desde que recebi seu endereço e lhe escrevi a primeira carta, mas os próximos 35 dias foram os mais longos e ansiosos de minha vida, iria conhecer pessoalmente meu príncipe encantado. Será que ele era bonito como nas fotos? Era educado? Era amável? Seriamos felizes?

O navio chegou numa terça-feira, as 1:00 da manhã e por não haver mão-de-obra disponível os passageiros tiveram que dormir no navio. O fato é que naquela mesma noite ocorreu um dos maiores terremotos da história do Chile a apenas 400 km de distancia e o pouco que sobrou das casas situadas ao longo da costa chilena, foram praticamente totalmente varridas pelo terrível maremoto (como se chamava na época) que se seguiu. As estradas estavam interditadas, energia e sistema de gás cortadas. Resumindo não podia ir buscar meu amor e nem ele descer do navio.

Mas Angel sobreviveu e imagino o que ele viu de sua janela ao acordar, nada a ver com o que eu tinha lhe descrito de meu lindo país.Felizmente dois dias depois pude ir busca-lo, minha vida a seu lado foi maravilhosa, tivemos 3 filhos e hoje, ele está descansando eternamente em solo chileno, país que ele escolheu como seu lar.

 

Autor
Autor anônimo.

 

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