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Paixão Além da Vida

Seu Tião era um fanático torcedor do Independente Futebol Clube, o mais antigo e popular time de futebol de uma pequena cidade do interior. Era um time campeão de quase tudo que disputava, tanto em âmbito local como regional e tinha no Esporte Clube Matosinho seu maior rival, pois o mesmo surgira há uma década, após uma cisão em seu querido clube.

Paixão alem da vida

Sob as cores da nova agremiação juntaram-se os jovens mais abastados do lugar, como os filhos do “Coronel Junqueira”, maior fazendeiro da região e do estado, um dos meninos do Juiz da cidade e o primogênito do delegado, entre outros, que esbanjavam saúde e grana, o que permitia “importar da capital, chuteiras da moda, vistosos jogos de camisas, bolas, entre outros materiais novinhos e de primeira linha, extravagância que o Independente nunca tivera condições de fazer, já que adquiria a preços módicos, materiais descartados por outros clubes.

O “Coronel”, que possuía inúmeros terrenos também na cidade, cedeu ao clube em que os filhos atuavam um espaço contínuo ao cemitério local (que também fora de sua propriedade e ali sob a benção da matriz local, erigiu o Campo Santo) para a construção do estádio do Matosinho.

A notícia do novo estádio alegrou toda a cidade, menos os torcedores do Independente, que temiam perder, em pouco tempo, em número de torcedores para o rival, já que seu acanhado campo ficava distante do centro e em dias de chuva, poças d’água eram inevitáveis.

– “Eu jamais pisarei naquele chiqueiro, mesmo em jogo do Independente!” esbravejou seu Tião, ao saber da nova cancha esportiva do rival. E nunca pisou mesmo, pois meses antes da inauguração do estádio o fanático torcedor independentino sofreu um fulminante ataque cardíaco e veio a falecer. Mesmo avesso ao futebol e estudando na cidade grande, Juninho, o único filho do falecido e sabedor da paixão de seu pai pelo time do coração, prestou a última homenagem ao velho, enterrando-o com sua camisa favorita do Independente e de costas para o vizinho estádio do arquirrival.

O tempo passou e o estádio fora inaugurado com muita festa e toda pompa para o clube que reunia os filhinhos dos mais ricos da cidade e mesmo assim, com todo o aporte financeiro, ainda não conseguira conquistar um título sequer.

Por ironia do destino, que são preparadas somente pelos deuses do futebol, a última rodada do certame colocava o Independente e o Matosinho em condições de ser o campeão daquela temporada, para o time mais antigo, um empate bastava para levantar mais um caneco e deixar o rival ainda virgem de títulos.

A cidade parou no dia da grande partida, no estádio, não cabia mais ninguém, lotação máxima e com a presença de todos os figurões locais, inclusive o Coronel, que foi ver seus “meninos” e certificar que a taça dessa vez ficaria para o Matosinho.

Mesmo com a vantagem do empate o Independente partiu para cima e marcou o primeiro gol logo aos oito minutos, o que fez o time da casa atacar ferozmente e em jogada na grande área, o árbitro da partida (irmão do delegado e tio de um dos jogadores) marcou um pênalti bastante duvidoso. Não adiantaram as reclamações do time adversário, que acarretou na expulsão de seu capitão, a cobrança foi convertida pelo filho mais novo do Coronel, que da tribuna aplaudiu seu garoto, que voltaria a marcar no fim da primeira etapa, colocando o Matosinho em vantagem, para delírio de sua torcida.

O segundo tempo começou truncado e depois de uma jogada violenta, o Independente ficou sem mais um jogador, seu principal centro-avante e artilheiro do certame. Parecia que os donos da casa enfim ganhariam um campeonato, porém, depois de muitos chutões para o alto e um bate rebate na pequena área, a bola sobrou para o zagueiro, que a essa altura ia sempre ao ataque ajudar a buscar o gol de empate (e do título), enfiar a cabeça e de peixinho igualar o marcador, para desespero do time da casa que via a conquista escapar entre os dedos.

Com a desculpa da longa comemoração pelo gol, o juiz expulsou mais um atleta do Independente, que contava apenas com oito jogadores em campo, que nem poderiam se dar ao luxo de se machucarem, seriam mais quinze minutos com o coração na ponta da chuteira. E para impedir os avanços do time da casa e fazer correr o tempo, a solução encontrada foi ir chutando a bola para fora do estádio, que invariavelmente caía no cemitério e ninguém conseguia encontrar, foram utilizadas, uma, duas, três bolas e ainda, as mais velhas utilizadas nos treinamentos, totalizando o número de doze bolas. Aquela partida ficaria inesquecível na memória de todos.

Torcedores se mobilizaram para ir à cata das pelotas, que na primeira oportunidade eram novamente chutadas para o cemitério, e assim, o tempo foi passando e sem nada mais poder fazer, o árbitro encerrou a partida e contrariado viu o Independente ser mais uma vez vencedor. Mesmo durante o dia, funcionários do Matosinho foram ao cemitério e arredores procurarem as bolas chutadas na noite anterior, mas não encontrou nenhuma.

Os anos se passaram e era hora de fazer a exumação dos ossos de Tião para dar lugar a outro ocupante naquela sepultura. Para surpresa dos que ali estavam e dos que foram chamados para testemunharem o surpreendente fato: Jazia a “caveira” do fanático torcedor do Independente, com sua camisa ainda intacta e rodeada por doze bolas de futebol…

 

Autor
Meu nome é Aristides Pardo, sou professor de História da Rede Estadual do Paraná, Especialista em História: Cultura, Memória e Patrimônio e jornalista com 6 livros, diversos artigos e capítulos de livros publicados e que acredita que somente a educação pode oferecer um mundo melhor.

 

Paixão Além da Vida
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