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A insustentável circularidade da terra e das pretensões humanas de perfeição

Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da “história universal”: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer. (Nietzsche)

Os últimos anos 500 anos da história da humanidade foram traumáticos para a condição humana. Retomemos algumas perspectivas analíticas. Desde a Grécia Antiga com o estabelecimento do sistema cosmológico ptolomaico, ancorado numa visão geocêntrica a terra seria o centro do cosmo. Concepção corroborada pela visão judaico-cristã medieval, na medida em que se coadunava perfeitamente com a narrativa da obra da criação do mundo e, da totalidade dos seres que nele se apresentavam por parte de um ser transcendente e voluntarioso. Desde o mundo antigo aos dias atuais os seres humanos vêm perdendo a centralidade de sua condição no cosmo.

Um dos primeiros a questionar a centralidade da terra e dos seres humanos  em relação a totalidade do cosmo foi o matemático, físico, astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) ao anunciar a teoria heliocêntrica, cujo argumento fundamental é o reconhecimento de que a terra girava em torno do sol. A terra deixou de ser o centro do universo, sendo substituída pela centralidade do sol.  Por sua vez o teólogo e matemático italiano Giordano Bruno (1548-1600), ancorado em suas perspectivas matemáticas e físicas anunciava que o universo é infinito e que na mesma medida existiria uma infinidade de outros sóis e terras. Ou seja, defendia em sua cosmologia a tese de que o universo era infinito e povoado por uma infinidade de estrelas, como o Sol, e por outros planetas, nos quais, assim como na Terra, existiria vida inteligente. Duro golpe desferido pelo filósofo na centralidade da terra e do ser humano como resultantes da obra da criação. Não deu outra, a Igreja providenciou sua queima na fogueira da Inquisição diante de tal heresia. Pouco tempo depois Galileu Galilei (1564-1642) retoma os estudos e cálculos de Copérnico, de Giordano Bruno e reafirma que a terra não poderia ser o centro do universo. A Igreja se apressou em processá-lo. Para não ser queimado na fogueira da Inquisição Galileu abdica de suas teses, vindo a confirmá-las muitos anos depois no leito de morte.

Mas, o fato da terra não ser o centro do universo não afetava a concepção de que o homem era a obra por excelência da criação. De alguma forma o humano ocupava o centro da obra da criação. Porém, Charles Darwin (1809-1882) desfere um duro golpe as pretensões humanas, demasiadamente humanas de centralidade de sua condição vital. Com o anúncio da “Teoria da Evolução das Espécies” tomamos ciência de que somos apenas mais uma espécie entre outras no caudal de um longo e paciente processo evolutivo. Mais do que isto somos apenas uma ramificação da espécie dos símios. Do ponto de vista genético e da evolução da vida no planeta terra não nos apresentamos como seres especiais. Compartilhamos 99% (noventa e nove por cento) da estrutura genética com os chipanzés.

Porém, o desespero humano não se encerrou com Darwin. Freud (1856-1939) o pai da psicanálise desfere seu derradeiro golpe. O ser humano concebido como cogito auto centrado (penso, logo existo), como sujeito uno, indiviso se vê fragmentado, dividido, descentrado. A psique humana, o Ego é o resultado de impulsos conflitantes do Id e do Supergo. Ou seja, não sabemos muito bem que somos, ou que forças agem em nós e que nos conforma sob certa perspectiva. Ou seja, somos o resultado de inúmeros impulsos que agem sobre nós e, sobre os quais temos pouco, ou quase nenhum controle. Assim, num primeiro momento fomos destituídos do centro do universo e lançados na periferia do sistema solar, para finalmente nos localizarmos na periferia da via láctea, uma entre bilhões de galáxias presentes no universo. Não bastasse tal condição tomamos conhecimento de nosso estreito parentesco com os símios e, por fim descobrimos que não sabemos muito bem quem somos.    

a insustentavel circularidade da terra

Não foi fácil para os seres humanos abrir mão do fato de ser o centro do mundo, do universo, da obra da criação. Esta condição descentrada no cosmo não retirou apenas a centralidade do humano no mundo, senão questionou visceralmente o fato de seremos seres especialmente criados e situados na centralidade da obra da criação. A angústia humana desencadeada pela perda da centralidade do mundo evidencia-se em perguntas inquietantes, tais como: Qual nossa posição no cosmo?  O universo é finito ou infinito? Para onde vamos diante da imensidão escura e gélida do cosmo depois que cortamos o cordão umbilical com Deus? O mundo, o universo é resultante do acaso ou da necessidade? Qual o sentido e a finalidade da vida humana lançada na imensidão das abissais forças cosmológicas que nos circundam, ou nas quais estamos inseridos?

Diante destas avassaladoras questões resultantes da perda da centralidade da terra e da condição humana no cosmo, o que nos restou foi nos consolarmos com imagens do planeta terra retiradas pelas sondas e naves lançadas ao espaço pelos centros espaciais norte americanos e europeus a partir da segunda metade do século XX.  Estas imagens nos apresentavam o planeta terra numa forma esférica quase que perfeita, mesclada por tons de azul e branco conformando uma imagem idílica, romântica, agradável em sua forma circular simétrica.  Se havíamos perdido a centralidade de nossa condição no cosmo, pelo menos nos sobrou a imagem belíssima do planeta terra na imensidão escura e gélida do universo.

Porém, eis a que a maré de más notícias às pretensões de centralidade e perfeição do mundo e do ser humano volta a nos assolar impiedosamente. A agência espacial européia (ESA) reconstituiu a imagem da terra a partir de fotos e imagens de satélites a partir de seus campos gravitacionais. O resultado é o que podemos visualizar na imagem acima. Nosso planeta não se apresenta como um círculo simetricamente próximo a perfeição, mas pelo contrário apresenta-se na forma de uma esfera disforme aproximando-se apenas por comparação da vontade humana a figura geométrica do círculo.  Diante desta situação cabem mais algumas perguntas: Seria o ser humano a imagem e semelhança do planeta que o acolhe em vida e morte: imperfeito? Nossa condição humana paradoxal e contraditória encontraria na forma do planeta sua justificativa?  A necessidade humana de estabelecer sentido e finalidade à vida numa vida além túmulo exige a construção de ideais de perfeição que não encontram amparo no mundo físico?  O que fazer? Para onde correr ou fugir? Mas, para onde na infinitude de sóis e terras presentes no inóspito, voraz e monstruoso universo que nos circunda? Ou ainda, o que podemos realmente conhecer, para além de nossas ilusões, sobre a vida, o mundo, o universo? Talvez o que nos resta diante de tudo isto é continuar a questionar as nossas construções idealizadas de mundo. Se de acordo com Nietzsche, “Deus está morto”, então é necessário que o homem e seu instinto de rebanho também mora, para que se apresente o além-do-homem, um ser que brinca, dança e se diverte diante da parcialidade, da tragicidade e das imperfeições da vida humana que culmina na humilhação da morte. Quem sabe um pouco mais de física e filosofia podem nos ajudar a compreender que o caos está para ordem, assim como a ordem esta para o caos.

Dr. Sandro Luiz Bazzanella

 

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