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A geração perdida

Já trabalho há mais de 15 anos como psiquiatra e para deixar a minha mensagem de cuidados e de preocupação com a humanidade e, se tudo correr bem, deixar meu nome na história, trato presos, de todos os graus de periculosidade, condenados pelos mais diversos crimes. Já tratei de estupradores, serial killers, ladrões confessos, seqüestradores e, claro, talvez os piores, políticos.

E nesses anos tenho me deparado com um número sem fim de histórias muito pesadas, muito tristes e, até mesmo, engraçadas. Mas a que mais me marcou foi a de Gilberto, um menino de 23 anos, filho da classe média alta brasileira, cujo principal desejo era concluir seus estudos acadêmicos e se tornar um profissional para disputar o acirrado mercado de trabalho.

Gilberto era bisneto de um engenheiro, neto de um administrador, e filho de um contador, todos com diploma acadêmicos que os deixavam em posição de destaque nas sociedades em que estiveram inseridos e por onde deixaram suas filosofias humanistas de trabalho, sendo todos respeitados e admirados.

E como filho da classe média, tinha uma grande parte dos brinquedos, aparelhos e eletrônicos que sua classe social tinha acesso, viajava uma ou duas vezes por ano ao exterior, escutava as conversas de seus pais com amigos do mesmo nível intelectual, enfim, tinha acesso aos principais universos que a classe média brasileira tinha, na década de 2030.

Muito me impressionou a vez que Gilberto me contou que jogava vídeo game, ao menos duas horas por dia, que depois se dirigia à tela do computador e depois de mais duas horas de computador, era hora de dormir. Normalmente seu sonho era alcançado em conversas por celular com amigos da escola…

Gilberto me reconheceu várias vezes que seus ancestrais tiveram uma vida difícil, seu pai trabalhava muito, seu avó era “workaholic” e seu bisavô lutou muito para conquistar seu único bem, uma casa num bairro de classe média na cidade em que morava. Mas ele reconheceu ter uma vida fácil, sem luxo, mas regada a cuidados paternos, à intelectualidade, aos mais diversos meios de comunicação e a um universo tão grande de informações que ele mal conseguia ordenar em sua tão jovem mente.

 

Por não saber ordenar e processar essas informações, sofreu muito, tinha ataques de ansiedade, que se transformavam em angústia e acabava tratando mal as pessoas mais importantes de sua vida: seus pais, irmãs, parentes mais próximos e até mesmo uma namorada que custara muito para conquistar, mas ao tê-la e namorá-la por 6 meses a descartou. Ele contou que percebeu que todas as suas ações eram regadas a ansiedade, tudo tinha que ser rápido, urgente e que tudo aquilo que tomava um pouco mais de tempo lhe trazia uma enorme sensação de angústia. Por isso vivia derrubando coisas, quebrando objetos e que seus pertences eram poucos, assim como suas roupas.

Após ter algumas brigas com seus pais, decidiu sair de casa e tentar a vida trabalhando e viver com alguns amigos, que ele sabia serem usuários de drogas.

Foi quando conheceu Laura a quem dedicou dois meses de intenso e puro amor, mas quando ela negou-lhe carinhos mais íntimos, perdeu a cabeça e num ataque de ansiedade, um segundo de irracionalidade empurrou-a do parapeito da varanda do apartamento onde estavam fazendo uma festa com alguns amigos. Todos da festa viram e, não houve como escapar do fragrante. A menina morreu e Gilberto, teve que pagar por seu erro, na cadeia, por 15 anos.

Numa determinada conversa ele reconheceu que a ansiedade de seu coração era tamanha, que ele em muitos momentos perdia a cabeça, e agia irracionalmente.

– Acredito – me confessou determinada vez, que minha geração, por ter acesso a tanta informação, numa idade tão tenra e não saber processá-la (coisa que nossos pais não tiveram na infância, mas já na maturidade, lhes permitindo-lhes assimilar melhor), perdeu a racionalidade, o poder de concentração, a capacidade de persistência, além da paciência e acabou transformando-se num elo perdido. Hoje percebo que deveria ler mais, conversar mais, prestar mais atenção nas pessoas, tomar mais cuidado com os sentimentos, jogado mais xadrez, enfim realizado mais atividades que me trouxessem tranquilidade e aquietassem minha alma. Eu realmente achava que a vida era um filme de ação e penso que somos a geração perdida, tomada pela ansiedade e pela falta de paciência.

Autor
Alvaro Concha – Porto União/SC – Brasil

 

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