Eu já tinha uns 19 anos, tinha estudado bastante e tinha me formado no ensino médio e estava gabaritada para trabalhar na minha cidade. Mas eu queria mais, eu queria lecionar para crianças, era meu sonho, desde cedo. Me lembro que fazia minhas primas e irmãs mais velhas sentarem e fazerem fila na minha frente e ensinava (ou pensava que estava ensinando) e assim passávamos todas horas naquela brincadeira que, se transformava cada vez mais no meu sonho.
E chegou a oportunidade, fui convidada a lecionar numa escola de minha cidade. Era um trabalho além de prazeroso, gratificante, como a de qualquer professor que realmente se dedica a transmitir informações e conhecimento.
Alguns anos se passaram e recebi uma proposta ainda melhor, recebi uma promoção e lecionaria numa escolinha rural, para crianças de não mais de 12 anos, porém desta vez eu ensinaria e seria a diretora.
Fui visitar a escola, que ficava a 20 quilômetros de distância de casa e me encantei, pois apesar da carência financeira das pessoas a escola era muito bem arrumadinha, limpinha e todos eram muito educados e respeitosos. Após visitar a escola, aceitei imediatamente a proposta, sem pensar muito na estrutura que precisaria ter. Conversei com a secretária de educação da minha cidade numa quinta-feira e na segunda-feira seguinte teria que iniciar, porém, ela me avisou:
– A prefeitura não realiza o transporte para lá, você terá que se locomover por conta própria…
Para mim, foi um susto, mas aceitei mesmo assim. Passei sexta-feira e sábado procurando transporte. Não achei, a saída foi ir até a escola na segunda-feira e lá resolver. Tinha que chegar às 7:30 da manhã na escola, acordei as 3:00, saí as 3:30, após um banho quente e cheguei exatamente no horário, mas muito cansada.
Numa conversa com uma das professoras no recreio das crianças fui convidada para passar aquela noite e o tempo que fosse necessário em sua casa, que ficava a duas quadras dali. Aceitei imediatamente, porém tive que voltar a minha casa (à 20 quilômetros dali) e voltar na manhã seguinte com a minha roupa, artigos de higiene, objetos do trabalho, etc. Eram duas malas, mais meu material escolar, foi penoso, mas cheguei, uma vez mais as 7:30.
Quando me instalei na casa, muito bem instalada, pude dedicar-me ao trabalho, que muito exigia da diretora. O tempo foi passando e conheci muitas pessoas dali da comunidade, Hercília, “a louca”, Joca, “o bêbado”, Pedro “o galanteador”, Rita “a curandeira” e João “o sapateiro” e aos poucos fui montando o quebra-cabeças dos relacionamentos dali.
Hercília “a louca” morava num estábulo, nos fundos da casa do Zé Lampião, era chamada assim porqueXXXXXXXXXXXXXXXX
Numa bela noite de primavera, céu estrelado, lua crescente, fomos todos tomar um chimarrão na fogueira, que era feita no pátio da casa da Lala, que vivia no meio do mato. Cheguei quando já estavam todos sentados e somente sobrou um lugar para mim, na ponta de um banco feito de tronco, ao lado do Pedro. Cumprimentei todo mundo e como estava escuro, fui sentando e conversando, quando me passaram imediatamente a cuia de chimarrão. Depois que terminei a cuia, senti ardor terrível nas pernas, levantei-me e fui até o banheiro para ver o que era, já que não podia ver ali pois apesar de escuro eu estava de saia e não pegava bem.
Quando chego ao banheiro percebo que minhas pernas estão completamente vermelhas e que a queimação era tão forte que não conseguia nem coçar. Foi quando chamei a Lala para vir e ver como poderia me ajudar, pois eu não tinha a mínima ideia de como resolver aquela coceira somada com ardência. Quando mostrei para a Lala, ela saiu correndo gritando:
– Foi a Hercília, eu pego ela. Hercíliaaaaaa, cadê você? Vejo que Lala vai até o banco, pega alguma coisa e vem correndo em minha direção. Todos ficaram observando, preocupados, pois eu não demorei mais do que 10 minutos entre o momento em que sentei e o momento em que fui correndo ao banheiro.
– Foi a Hercília, Eloisa do céu, me desculpe. Ela me dizia enquanto passava e esfregava álcool nas minhas pernas. O que acontece é que estávamos armando para você e o Pedro conversarem, pois ele está apaixonado por você. O problema é que a Hercília é apaixonada por ele, e como ela sabia que você vinha pra cá, ela colocou urtiga no lugar onde você ia sentar! Eu pego aquela louca, ela viu que você me chamou e foi embora, saiu correndo.
E eu que nunca tinha nem reparado no Pedro…
Eloisa Cardoso Lemos, Canoinhas/SC – Brasil