Nunca pensei que meus comprimidos, que costumavam solucionar os problemas de minha saúde, me causariam algum problema. Mas “nunca” é uma palavra sem aplicação prática alguma.
Como normalmente nas quartas feiras, ao sair de casa, comprei meus comprimidos na drogaria do Seu Hélio, a única da cidade que ainda mantinha o sistema antigo de vender comprimidos soltos em um saco. Joguei minha nota fiscal na lixeira mais próxima, como de costume, e fui a pé para meu estágio.
Tudo parecia normal no dia, porém um detalhe importante me tirou da rotina e rendeu uma das histórias mais cômicas de minha vida: na cidade estava acontecendo o maior festival de música eletrônica do estado, o que levou a polícia a enquadrar, com frequência altíssima, jovens em busca de drogas.
Quase chegando no escritório, encontro um amigo meu e o comprimento. No instante em que apertamos nossas mãos vemos uma viatura parar. O guarda desceu e pediu que encostássemos. Sem nada a esconder, encostamos.
O primeiro a ser revistado foi meu amigo. Depois de revistar seu tronco e não encontrar nada, o policial se dirige a seu bolso da calça e depois de dar duas batidas, diz “bingo”. Ele tira um saquinho do bolso do meu amigo e dentro dele haviam pílulas. Meu amigo alegou que as pílulas seriam remédios para a dor de cabeça, mas os policiais não lhe deram ouvidos e ele foi prontamente colocado na viatura. Perante essa situação eu soube que também estaria em problemas.
Quando o policial encontrou o saco com os remédios em meu bolso não sobrou dúvida que eram pílulas de alguma droga e eu também fui encaminhado à delegacia.
Na delegacia fomos dirigidos a sala do delegado, um sujeito que parecia estar já com seus cinquenta anos, cabelos grisalhos e bigode grosso. Com sua personalidade de homem durão ele tentou nos intimidar para que confessássemos que as substancias eram de fato drogas, porém eu insisti em dizer a verdade. Meu amigo também negou que a substância que ele portava fosse LSD ou alguma droga sintética parecida. O delegado então, cansado de insistir, ordena que fossemos presos por uma noite sem motivo. Nesse ponto eu já havia desistido de provar minha inocência, porém não ia confessar um crime que não havia cometido.
Quando estávamos sendo levados à cela, passamos pelo saguão da delegacia, onde vimos nossa salvação. O pai de meu amigo era advogado e, após sentir o sumiço do filho, foi a sua procura. Ele alegou que não poderíamos ser presos antes de que as pílulas fossem testadas e dessem “positivo” para qualquer substancia ilícita. O delegado se mostrou incomodado por seguir tal procedimento e logo descobrimos o porquê. Com o grande fluxo de drogas sendo aprendidas e tendo que ser testadas, os kits de testes haviam acabados e mais um lote chegaria apenas no outro dia pelo fim da tarde, e como a lei determina que nenhum cidadão pode ser preso sem mandato ou flagrante, fomos soltos e nossas pílulas nos foram devolvidas.
Ao sair da delegacia, o pai de meu amigo me oferece carona. No caminho para casa, pergunto a ele o que iriam fazer a noite. Meu amigo, sem vergonha alguma responde:
– Vou ao festival, tenho que vender estes comprimidos ainda hoje.
Micael Lemos Concha – Porto União/SC – Brasil.