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Gritos na noite

“O que se ouve e não se vê, imagina-se, crê-se e teme-se”. (Elmo)

Interior de Canoinhas-SC, sítio do Lauro, lá pelas bandas da serra do Tamanduá, com acesso difícil, local distante e isolado da vila central, Barra Mansa. Abril de 1960, vinte horas, noite intensa de luar.

Família prestes a se recolher, lampiões a querosene ainda fumegando, homem, mulher e duas crianças, todos ajoelhados para a oração da noite; uma vela foi acesa diante da imagem de Santa Bárbara, e os murmúrios começaram.

Reza encerrada, crianças ao sótão, não antes de pedir aos pais bênçãos, e o casal dirigiu-se ao seu leito, na parte térrea da rústica casa de madeira. O pai resmungou à esposa se os cães foram soltos e o silêncio dela retirou a dúvida.

Lá fora, o luar persistente, o silêncio da mata e a paz dominadora até que… ouve-se um grito, mas não um qualquer, mais estridente, gutural, desesperado, estremecedor, pois fez vibrar toda a moradia e, o mais estranho, uma inesperada tempestade formou-se naquele local, com poderosas rajadas de vento, carregando tudo que encontrava como obstáculo. Pai e mãe correram ao sótão, onde estavam as crianças, para ampará-las e de lá retirá-las, mas não houve tempo; a escada de acesso foi arrastada pela fúria do vendaval e a todos só restou aquele frágil local como abrigo; crianças foram colocadas debaixo da cama, mãe, dentro do guarda-roupa e pai, amarrado com um lençol na cabeceira do leito.

Um segundo grito, tão impressionante quanto o primeiro, foi emitido. Desta feita, a vibração foi além da normalidade, pois até os vidros das janelas foram destruídos e os objetos da casa a esmo foram espalhados. E a tempestade prosseguia com seu curso destrutivo, como se o autor dos gritos a comandasse. Ficou claro, pela intensidade da ocorrência, que tinha à sua mercê os fenômenos naturais.

 

Não demorou muito e surgiu o terceiro grito, que permitiu traduzir no emissor profunda amargura, solidão, sensação de perda, tal como um uivo de tristeza canina e, junto com a estranha manifestação,  houve um descontrolado farfalhar da vegetação, um violento chacoalhar das árvores, algumas arrancadas do solo com caule e tudo.

O que quer que fosse, exercia um poder superior sobre as criaturas das redondezas, porque até os cães, sempre tão barulhentos e alertas silenciaram, neutralizados, paralisados, mantendo-se em atitude de respeito pela singular presença naquela tumultuada ocasião.

Após o terceiro grito, como por encanto, a calma retornou gradativamente ao local, a luz do luar voltou a prevalecer, e o pai ousou observar, pela janela do sótão, o que aconteceu lá fora. Viu uma espécie de criatura gigantesca percorrendo o milharal próximo, como se flutuasse sobre o solo, como se a gravidade não representasse obstáculo algum, como se tivesse cumprido e encerrado uma missão e, assim como chegou, desapareceu no ar, misturando-se à luz prateada daquela noite.

Dia seguinte, iniciou-se a reconstrução e, no levantamento de danos, ocorreu uma surpresa: nenhuma criação foi atingida, sequer ferida pelos efeitos do vendaval. Quem esteve ali certamente respeita e protege a natureza, mistura-se com ela, é parte integral dela.

O sinal da esdrúxula presença ficou na memória dos que viveram aquela noite de abril de 1960 e nas cinco araucárias torcidas, de forma escultural, supostamente por mãos gigantescas, monumentos naturais que até hoje adornam a vegetação do sítio do Lauro, perdido nas grotas da Serra do Tamanduá.

“A natureza oferece surpresas aos homens de pouca fé”. (Elmo)

 

Autor
Em memória de Ederson Luiz Matos Mota, um excelente professor de Língua Portuguesa de Canoinhas, uma pequena cidade do interior de Santa Catarina, no sul do Brasil.
Gritos na noite
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