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Histórias de meu avô Osório

Estamos no ano de 1977 em minha casa no bairro de Vista Alegre no Rio de janeiro, meu querido avô já passava de seus 80 anos e estava passando uns tempos com minha mãe já que, viúvo, gostava de visitar suas filhas periodicamente. Vovô era muito lúcido, acostumado a ouvir seu herói preferido no rádio, o Jeronimo, herói do sertão. Tenho lembranças deste hábito desde minha infância e adolescência. Falador e contador de histórias gostávamos de ouvi-lo em narrativas da sua época de juventude, no estado do Espírito Santo. Nasceu em 1888, não foi escravo por pouco. Foi tropeiro de burros e fazia a ligação dos municípios vizinhos levando mercadorias de um lado para o outro. Não tenho referências de seus antepassados mas sei que alguns deles moraram nas imediações de Castelo e de Cachoeiro de Itapemirim. Na andança entre estradas daquela época e trilhas entre serra viu e assistiu coisas e acontecimentos estranhos e inexplicáveis que até hoje perduram na nossa imaginação infantil.

O folclore brasileiro está repleto de histórias e lendas desde a nossa colonização, mas devido a modernização dos costumes, ficaram no esquecimento, na literatura ou viraram motivos de chacota em filmes de pouca relevância.  Hoje assuntos que eram tratados “à boca miúda” como se dizia antigamente, palavras veladas e nunca ditas em certas datas à noite perderam seu valor cultural.

Umas das histórias que mais me impressionava quando meu avô me contou, foi sobre uma família que morava próximo a Cachoeiro e por serem ateus não ligavam pra tradições católicas da época em decorrência da páscoa. Tão antiga como nosso folclore a religião católica foi introduzida no Brasil e por decorrência surgiram mitos e preceitos rituais que o povo, em seu entender, exigia que fossem seguidos, assim como o hábito de não se comer carne na sexta-feira santa e preservar o jejum até o meio dia de sábado. Aquela família por ser de origem pagã, segundo meu avô, criavam bodes para vender o couro na cidade. Sempre na época da Páscoa tinham grande quantidade de caprinos para matança. A casa ficava no sopé de uma montanha rochosa e da casa se avistava a estrada que ia para a cidade, nesse caminho ficava a igreja da cidade e, por consequência, a profissão do “senhor morto”, na sexta-feira da paixão, passava em frente à casa da família. No dia todas as pessoas da família estavam no quintal e pegando um a um os animais, matando e sangrando-os ali mesmo. Os couros esticados no terreiro faziam uma grotesca exibição de vísceras a serem limpas e processadas para depois serem curtidas e revendidas.

Quando a procissão passou pelo local, todos se benzeram e ante as gargalhadas dos criadores, passaram direto para a igreja. Quando já estavam reunidos no interior da igreja um estrondo muito grande se fez ouvir e saindo todos para fora viram que a montanha tinha desmoronado sobre a casa. Causando a morte de todos os seus ocupantes, não deixando a menor dúvida que ali, não se achariam sobreviventes. Curiosamente sobre os detritos só ficou uma pele de bode esticada em uma armação de madeira. Nenhum corpo foi localizado e o padre, por caridade, abençoou e benzeu o local, considerando sepultados todos os daquela casa. Enfim depois de alguns anos já não se falava mais nessa catástrofe, mas em todos os anos, por ocasião da semana santa se escutavam gemidos e lamentações vindo do solo onde se achava a casa soterrada.  Meu avô por ofício e obrigação de ser tropeiro já tinha ouvido falar e constatou que realmente os gemidos eram ouvidos nesta época.

Meu nome é Juarez Paiva de Campos, nasci no Estado do Rio de Janeiro em 1957, no bairro da Penha e fui morar em Vista Alegre próximo a Irajá, Vila da Penha e Cordovil. Nesse pequeno mundo cresci e tive a oportunidade de conviver com a pessoa maravilhosa que era meu avô, e dele herdei e aprendi a ter paciência e determinação para a vida. Como meu avo sou muito calmo e atualmente moro no interior do Rio de Janeiro, numa localidade cercada de verde e cachoeiras ainda preservadas. Moro aqui há 35 anos e destes 34 como casado, tenho uma filha que formada em designer gráfico, trabalha como ilustradora de livros infantis. Sou apaixonado pela história de meu avo e sua saga de sair de Cachoeiro do Itapemirim e vir para o Rio de janeiro. As histórias contadas acima foram ouvidas e guardadas com todo carinho no meu coração e coloca-las no papel significam uma pequena homenagem ao meu querido velhinho

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