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A lhama Santa

O QhapaqÑan era um sistema extenso de caminhos que unia praticamente todos os países andinos (Chile, Peru, Bolívia, Equador, Argentina e Colômbia) durante a existência do império Inca. Tinha mais de 7.000 quilômetros de extensão e até hoje existem muitos desses caminhos cortando as cordilheiras do Andes e suas adjacências.

Ali, nos Andes peruanos morava Yanay, uma linda menina filha de Sayri, um genuíno Chasqui[1] que se responsabilizou por ensinar-lhe todos os detalhes da profissão. Sayri, ensinou-lhe cada detalhe, cada passo que deveria ou não dar, cada lugar para se alojar caso a neve os surpreendera na madrugada, cada curva que ela teria que passar para chegar a Ayaviri, cumprindo assim suas responsabilidades e poder voltar para a casa em paz.

Começaram saindo caminhando juntos, por insistência de Yanay, desde que ela tinha completado seus 12 anos de idade e quando ela completou seus 25, Sayri cumpriu seu dever de 30 anos trabalhados para o imperador Inca. Era sua vez de se aposentar e deixar alguém em seu lugar e sua filha foi a indicada.

Para os chusqui não era novidade ter uma colega de trabalho mulher, já havia outras, apesar de serem poucas e Yanay era tão habilidosa e responsável que não daria problema em suas entregas e em suas mensagens, sabia nadar, conhecia cada atalho e se fosse necessário, trabalharia de madrugada, com chuva, vento ou neve. Na maioria das vezes, inclusive, Yanay se esforçava para entregar as mensagens antes do prazo máximo, o que lhe conferia o status de chasqui de curaca[2].

Quando Yanay já tinha completado seus 5 anos de trabalho, conheceu a Samin, outro chasqui, que morava na mesma aldeia, porém fazia outro trajeto levando mensagens até Callalli, pasando por Condorama.

Se conheceram num momento em que ambos estavam descansando até o dia em que Samin pediu a mao de Yanay ao seu pai.

Na cultura inca, era normal que uma menina se casasse aos seus 16 anos e o menino aos seus 20 anos, mas como ambos eram chasqui e seu trabalho era mais importante para a comunidade e para o império, eles demoraram alguns anos mais para efetivar seu casamento. Neste caso, foram casados numa cerimonia simples e como era de costume ganharam do império um terreno para morarem e construírem sua casa.

Continuaram trabalhando arduamente, porém aos dois anos de casados veio o primeiro filho, uma linda menina que espero 2 meses de resguardo de sua mãe e depois seguiu com ela a fazer as entregas das mensagens. As primeiras viagens foram mais difíceis, pois além das dificuldades normais do trabalho, ainda havia o peso do nenê que não dava descanso. Para solucionar o peso, compraram uma lhama que a ajudava tanto a carregar a menina como também água e comida, além de aquece-las quando a noite as surpreendia no meio do caminho, entre uma montanha e outra daquela vastidão andina.

O inverno chega e Yanay tem que avisar que o imperador inca chegaria a Puno em duas semanas e como o tempo era curto, teve que sair às pressas para entregar tão importante noticia ao povo seguinte. Saíram os 3 (com sua filha e a lhama) no meio da tarde, o que era arriscado por ser inverno, mas suas obrigações a forçaram.

Aos 6 dias, como Yanay não chegou de volta, Samin saiu a busca-las pelos caminhos e como não conhecia o trajeto, demorou bastante, mais que o normal e já na terceira noite de caminhada, chegou a uma aldeia e numa das casa que tinha uma multidão na frente, pediu pouso. Era a casa de um senhor muito respeitado da região e, uma vez convidado, quando Samin entra à casa ouve o choro de um bebê e ali reconhece sua filha.

– Sabe onde está Yanay? A mãe do bebê?

– Encontramos o bebe ao lado de uma lhama, que a aquecia e a mãe estava a uns poucos metros das duas, na quebrada de Huanco, um desfiladeiro aqui perto. Fazia muito frio naquele dia, muitas nuvens e ventava muito, mas parece que a lhama não saiu do lado do bebe.

– Quando foi isso?

– Umas 4 luas atrás. Trouxemos a lhama e o bebê, mas o senhor percebe, como sou já um ancião não tinha forças para traze-la e a lhama teve que carrega-la. Ao chegar aqui a lhama estava esgotada e faminta e não resistiu, morreu também, mas cumpriu com sua missão de traze-la, protege-la e amamenta-la naqueles dias em que estiveram sozinhas.

– Como assim, morreu também? O que quer dizer com “também”?

– É que quando as encontramos, a mãe do bebê já estava morta e não a trouxe, a deixamos na montanha, mas o bebe estava no meio das pernas da lhama e acredito que ela o amamentou todos aqueles dias em que ali estiveram e por esse motivo o povo está ai na frente de casa, para adorar a Lhama santa que salvou um humano, duas vezes…

Desde esse dia, a “lhama santa” é venerada na cidade, a menina sobreviveu e seguiu a profissão de seus pais, transformando-se na chasqui que avisou o imperador da chegada do espanhol.

[1]Na cultura Inca os chasqui eram os encarregados de entregar as correspondências oficiais do governo de um lugar a outro que normalmente estavam a 40 quilômetros de distância. Cada Chasqui era responsável por cobrir um determinado caminho do território.

[2]Curaca – gente de confiança.

 

Autor
Meu nome é Alvaro Concha, tenho 4 filhos, moro em Porto União, no estado de Santa Catarina, sul do Brasil.

 

A lhama Santa
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One thought on “A lhama Santa

  1. Álvaro… Por acaso digitei um assunto no site e após ler (aliás muito bem escrito) ao final vi os créditos à você…
    Parabéns

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