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Memórias assustadoras

Esta história ocorre num país da América do Sul, num país comprido e fino, com sua linda Cordilheira cruzando-o de norte a sul, num país com mar tipicamente gelado, muito gelado. No Chile, sou de uma cidade onde as estações de outono e inverno são muito bem definidas, no outono as árvores soltam suas folhas secas pelas ruas, avenidas e parques e no inverno suas chuvas, ventos e seus amanheceres e anoiteceres são muito gelados, gélidos, para melhor definir. Concepción é seu nome, e nessa cidade a natureza, às vezes com sua fúria nos trouxe lindos dias de sol. Mas também muitas chuvas, ventos, terremotos e maremotos.

Vivíamos meu pai, mãe, irmã e eu com meus avós maternos. Eu tinha uns 10 anos quando num 21 de maio (feriado) acordei com o meu quarto mexendo-se para lá e para cá, ouvia-se um barulho horrível. Eu era somente uma menina e não sabia o que estava ocorrendo, olhei para a janela que tinha persianas e via que tudo se mexia, não podia entender o que estava acontecendo.

No dia anterior, na escola de freiras em que eu estudava, a professora de religião nos falou dos pecados e do fim do mundo. Com toda aquela loucura de meu quarto se mexendo como uma roda gigante mas a uma velocidade absurda, pensei:

– O que será que eu fiz? Qual pecado será que cometi para Deus castigar-me assim?

Acreditei que Deus estava me castigando por alguma coisa que eu havia feito contra as Suas leis. De repente apareceu meu pai e me tomou pelos braços e me levou ao seu quarto, ele quase não conseguia caminhar por causa do movimento e, além disso, comigo nos seus braços. Ele me deixou na cama com a minha mãe, mas de repente o forte movimento e o barulho terrível foram se acalmando. Meu pai foi buscar minha irmã que era 2 anos mais velha que eu. Ele a encontrou abraçada com um tio (irmão de minha mãe) dentro de um chafariz de peixes que tínhamos no pátio.

Toda a família se reuniu, meus pais, irmã, tio, avó e avô (que creio que não percebeu o que estava ocorrendo pois ele estava com Alzheimer avançado.Eu chorava, minha irmã também, porque não sabíamos o que havia ocorrido, quando nos explicaram que havia sido um terremoto e graças a Deus na nossa casa e conosco não aconteceu nada

O restante da família começou a se reunir em nossa casa, pois a casa era grande, e decidiram todos dormir ali. Colocamos colchões na sala de jantar e meus tios avós com suas filhas, primas de minha mãe, ficariam até que tudo se acalmasse. Me lembro que durante todo esse dia houve tremores leves a cada certo tempo, e além disso não havia luz, água, gás e a cidade estava uma calamidade.

 

Memórias assustadoras

No dia seguinte, 22 de maio, meu pai, irmã e eu fomos à estação de trens buscar água com duas garrafas grandes e, de repente, percebo que as locomotivas estavam se mexendo suavemente, quando perguntei a meu pai porque elas estavam se movendo e ele me desconversou. De repente tudo começa a se mexer de novo, porém desta vez mais rápido, assustadoramente mais rápido. As pessoas que transitavam pela rua se ajoelhava pedindo a clemencia de Deus, outras senhoras ajoelhadas, também, confessando seus pecados:

– Deus, me perdoe, pois eu trai meu marido com o irmão dele, por 5 vezes! Dizia uma senhora que provavelmente pensou que ia morrer.

Foi assustador, o movimento era lento mas não terminava nunca. Meu pai pegou-nos pelas mãos e observava a rua, em caso de que esta se rompesse e se abrisse uma fenda. Foi terrível, voltamos para nossa casa com as garrafas de água, mas toda a cidade envolvida em gritaria e gente chorando. Soubemos, mais tarde, que o epicentro tinha sido numa cidade ao sul de onde estávamos e após o terremoto tinha havido um maremoto, também.

São lembranças de minha infância, difíceis de esquece, momentos angustiantes de minha ainda tenra idade, quando pensei que morreria.

Erika Araneda Hecker – Concepción – Chile

Memórias assustadoras
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