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Um assassinato no Sertão

Meu nome é Januária, nasci e cresci na cidade de Pernambuco, bem próximo do interior do estado. Acostumada com a rotina do pequeno vilarejo, sempre passava pelos mesmos lugares e riachos para chegar à vendinha ou a casa de dona Lili, onde eu trabalhava desde menina. Souza, era um empregado da família, sempre atencioso e prestativo, me ajudava a passar pelo caminho em segurança. Pois sempre falava que naquelas bandas havia um justiceiro escondido e era perigoso encontrá-lo pelo caminho.

Naquele tempo as coisas eram simples, mas muito difíceis, a água escassa pela seca que acompanhava o verão e a estiagem devastava a plantação que era o nosso pão de cada dia. Com o inverno as coisas melhoravam a estiagem passava as vaquinhas davam cria, havia leite, carne de sol e muita mandioca cozida, pirão de milho e pão quentinho do forno.
Minha mãe era uma mulher sofrida, sempre trabalhou abaixo de sol e chuva e teve muitos filhos, alguns adoeceram e não vingaram sendo enterrados em qualquer cantinho no meio da mata. Papai sofria escondido a cada perda, pois falava que homem macho não chora, pegava seu litro de água ardente e passava a noite a fora, voltando no dia seguinte como se nada houvesse acontecido. Meus dois irmãos mais velhos foram tentar a sorte no centro da cidade, mas nunca mais mandaram notícias. Anos depois Josué foi noticiado como desaparecido depois de se encrencar com um bando de arruaceiros. Edelvino nunca mais se ouviu falar, apenas muito tempo mais tarde soube-se que casara e teve filhos. Mas nunca mais nos encontramos.
Já dona Lili era uma senhorinha muito risonha, mas também temida pelo seu temperamento forte. Seus olhos azuis sempre atentos não deixavam escapar nada. Se houvesse um pozinho já me chamava a atenção, mas logo aparecia mais tarde com uma fatia de pão e um pouco de leite. Era generosa e boa de coração, acho que no fundo sua “ruindade” era só fingimento, pois o sorriso que muitas vezes lhe saltava da boca revelava a sua felicidade e alegria em ajudar a todos. Mesmo que não me pagasse muito, os ensinamentos valiam bem mais.
Na sala da frente da casa havia um pequeno escritório com vários livros, todos em bom estado e muito valiosos para ela. Seu Joaquim que falecerá havia alguns anos era amante dos livros e fazia questão que ela lhe acompanhasse em algumas leituras, discutindo, mesmo que muitas vezes sozinho, e em outras pedindo sua opinião.
Dona Lili, me recebeu em sua casa de braços abertos, mas fez centenas de recomendações, não tolerava libertinagem e nem perdoava roubo ou falta de educação. Ela aos poucos foi demonstrando preocupação pela minha condição. Me apresentou os livros e começou a cobrar a lição, se orgulhava com a minha rapidez em aprender e logo me deu de presente alguns livros para que eu pudesse levar sempre comigo algum, e não ficar de pensamento à toa quando precisasse descansar durante o caminho de casa. Eu voltava todos os dias para a casa, a viagem era longa e muitas vezes me sentava para usufruir um pouco de leitura, me encantava com os romances que eram os meus preferidos e acabava sonhando acordada, sonhos de muita emoção, mas ao mesmo tempo me preocupava, pois nunca havia conhecido ninguém que pudesse me chamar a atenção. Durante esse tempo todo ia sempre em busca de algo que não sabia ao certo o que era. Tinha uns medos estranhos de que não explicava nada aquela sensação.

Naquele dia, me sentara para ler. Me desliguei do mundo, fechei os olhos e adormeci, estava um clima ameno, agradável e o silencio logo me seduziu a cair no sono. De olhos fechados sentia a luz que balançava com as folhas das arvores, um som agradável do vento. Mas então percebi que não havia canto dos pássaros e nem ruído algum, fui surpreendida com bafo de álcool. Mãos calejadas e sujas que roubaram meu corpo, minha vida e minha inocência. O que senti não sei, mas aquele aconchego da natureza se virou contra mim que apenas adormeci e não mais acordei, pois eu estava sendo observada todo o tempo.
Mas vivia num encantamento à toa que não via cor alguma do fatídico dia que morri. Mas as dores do corpo somem. Apenas a moléstia que se instala na alma permanece por algum tempo. Mas logo é preciso reagir para aprender, entender e quando der voltar para novas experiencias e vivencias necessárias para a minha evolução. E que na próxima seja diferente que me mostre novos caminhos e que sejam mais longos e mais felizes e que eu esteja sempre atenta para não ser surpreendida novamente e poder fugir para bem longe das dores que um dia senti.
Meu nome é Ana Julia Barbosa, moro em Mafra, no estado de Santa Catarina, no sul do Brasil.

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