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No mesmo endereço

O ano era 1970. Em 1970, o mundo estava efervescente e no Brasil não era diferente. Por aqui os militares estavam no poder e havia muito conflito. Apesar do “milagre econômico”, o Brasil sempre foi Brasil, o povo sofria e se virava nos trinta para sobreviver. O noticiário dividia-se entre os “barulhos” que vinham dos quartéis, que davam conta de interrogatórios, prisões, censuras, deportações, torturas, resistência dos mais diversos grupos, todos eles considerados ilegais e as notícias da seleção canarinho que sagrava-se tricampeã no México.

Em um dos dias de 1970, mas precisamente 1° de janeiro de 1970, uma quinta-feira, na cidade de São Paulo, numa maternidade pública, vinham ao mundo simultaneamente os bebês, Luis Antônio, Eduardo e Michel. Luís Antônio, filho da psicóloga Maria Rita e do médico obstetra Cláudio, família branca, classe média alta, fizeram todo o pré natal e foram traídos pela pressa de Luís Antônio, por isso o menino nasceu na maternidade pública na meia periferia, Santo Amaro. Eduardo, filho do taxista Jorge e da cabeleireira Ana, família miscigenada, moradora da periferia. Michel, nasceu filho de Aparecida, mulher negra que vivia em situação de rua. Michel não conheceu seu pai. Classes sociais distintas, apenas a emergência os aproximou na hora do nascimento.

Ano efervescente, rumos ainda mais. A carente Aparecida foi vítima de uma das madrugada geladas das ruas de São Paulo. No momento infeliz da mãe, Michel já vivia em um orfanato. A família de Eduardo fez um esforço tremendo, privou-se de muitas coisas, mas conseguiu apoia-lo até que ele entrasse em uma universidade pública. Fez mais esforço ainda quando ele se formou engenheiro e o enviou para um intercâmbio no Canadá. A família de Luís Antônio passou por transformações. Seu pai, o médico Cláudio, foi promovido para direitor do hospital onde trabalhava e sua mãe Maria Rita, foi eleita presidenta do conselho federal de psicologia. Ambos tiveram pouco tempo para Luís Antônio que ficou quase sempre aos cuidados de empregados, também não tiveram tempo para o casamento e acabaram divorciando-se. Eduardo, batalhou muito junto com seus país, formou-se engenheiro, conheceu o mundo e voltou ao Brasil. Eduardo mora na cidade de Santos para ficar mais próximo dos pais. Seus pais, aposentados mudaram para Santos. Eduardo é casado e tem dois filhos. Michel, sofreu muito no orfanato, perdeu a mãe ainda jovem, não conheceu o pai e nem os familiares. Conseguiu um emprego numa construtora através do orfanato, emprego onde conheceu sua esposa. Mudaram-se para Santos. Michel é pai de duas crianças. Luis Antônio, teve muitos conflitos com a família, abandonou a faculdade de biomedicina, foi morar nos E.U.A. Nos E.U.A, Luís Antônio foi preso por tráfico de drogas. Cumpriu sua pena e retornou ao Brasil. Viciado, não conseguiu retornar para a família, também não constituiu uma família e por uma das coincidências veio parar em Santos onde vive em situação de rua. O pai de Luís Antônio infartou em 1995. Sua mãe vive sob cuidados médicos em uma casa de repouso.

Luís Antônio, Eduardo e Michel que nasceram na mesma maternidade de forma emergencial. Hoje, nos dias normais são vistos no mesmo endereço. Eduardo é morador de uma cobertura na avenida de frente para o canal V. Michel é porteiro do prédio de Eduardo. Luis Antônio é morador de rua e geralmente dorme na marquise que existe no canal V.

Meu nome é Marcel Conceição Mota, tenho 41 anos, sou natural de Pau Brasil, na Bahia, mas moro em Santos, litoral de São Paulo e sou Professor.

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12 thoughts on “No mesmo endereço

  1. Excelente texto! Tem gente que sequer consegue procurar emprego, pois nao tem o que vestir para o dia da entrevista! Quem nasce rico, morre rico, independente do que faça. Quem nasce pobre morre pobre, por mais que se esforce..claro que pra toda regra há exceções..

  2. Bom dia excelente texto vc está de parabéns deveria escrever mas muito ,muito e com conteúdo interessantes .

  3. Pra gente ver q a vida não é tão simples assim e q precisamos ser mais afetuosos tanto com os nossos qnto com os proximos.

    Belo texto.

    Situação muito viva por várias famílias por todo o mundo.

    AnaCrisSouza

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