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Tradicionalista por Convicção

Naquela manhã Pachamac acordou num susto pois parecia que tivesse perdido a hora, olhou pela janela (que não tinha vidros) e viu que realmente tinha dormido demais. Naquele momento já deveria estar em seu trabalho, pois seu colega precisava dele no primeiro horário do sol, como tinham combinado na noite anterior.

Esquentou a água no fogo, tomou seu café-da-manhã (principalmente a base de cereais, cevada e quinoa), tomou seu banho, se vestiu e foi para a delegacia, onde já servia há pelo menos 18 verões. Sempre que saia de casa se sentia honrado por ser um soldado do rei e seu trabalho lhe dava prazer pois servia à comunidade e sentia-se útil por manter a paz e a ordem da vila e consequentemente, do império. 

Já na esquina da delegacia, se assusta com a multidão parada na porta da frente do prédio. As pessoas estavam visivelmente contrariadas e dificultavam a entrada. Percebeu que eram todos da tribo Chaica e, a falarem alto causavam ainda mais sensação de desordem, o que era inaceitável para o imperador e, portanto, para ele.

Tentou entrar, mas as mulheres pararam-no, puxando-o pelo braço, quando uma delas lhe disse:

– Ela não tem culpa, é um costume nosso, não podem culpa-la, não é justo.

Foi quando todas começaram ao mesmo tempo a protestar e, ao ver que os ânimos se acirraram puxou seu braço e entrou na delegacia. Ao entrar viu o delegado conversando com uma moça de uns 15 a 17 anos que tinha as bochechas e boca sujas de sangue, já seco e, a ação das lágrimas auferia-lhe um aspecto ainda mais assustador.

O inspetor fitou-o, balançou a cabeça em sinal de desaprovação e continuou o discurso:

– Vocês aceitaram a assimilação de seu povo à nossa cultura e, aos nossos hábitos, quando Coya Mama ensinou as suas mulheres como deveriam comportar-se ela lhes informou que esse tipo de atitude era errado… não posso permitir que saia daqui sem antes ser julgada pelo supremo juiz da vila.

– Mas o senhor sabe que eu não fiz por mal, é nosso costume e o senhor está aumentando a dor de minha perda com todo este constrangimento.

– Senhor, há muita gente lá fora, protestando pela prisão da moça, não seria prudente liberá-la e prende-la depois do julgamento? Ao menos para evitar um tumulto ainda maior… comentou Pachamac.

– E você sabe o que esta moça suja de sangue fez, Pachamac para implorar a sua soltura? Pachamac respondeu negativamente, demonstrando desconforto com toda a situação.

– Esta moça, seguindo as tradições de sua cultura, logo após que o seu pai morresse, tirou-lhe as carnes do corpo as cozinhou e as comeu, juntamente com sua mãe, irmãos e primos. O pai foi cozido, por estar magro, com pouca carne, mas se tivesse mais carne, seria assado em carvão, como numa festa. Eles ainda, comeram seu fígado e coração crus, por isso a sujeira de seu rosto. E logo depois, como fazem as pessoas da cultura dela, tomam os ossos e os enterram perto de alguma árvore ou os jogam nos penhascos. Ela me contou que é comum também entre eles, que as mulheres dos escravos ou dos prisioneiros de guerra são engravidadas e seus filhos quando atingem a idade adulta são assassinados e comidos. E as próprias mulheres escravas quando já não servem mais para procriar, também são assassinadas e devoradas.

– Mas que horror… eles não foram instruídos a parar com essa prática tão primitiva?

– Justamente, por isso ela está presa. Eles foram instruídos por auxiliares do Inca Rei, pois na vila original deste povo selvagem haviam inclusive açougues de carne humana, inclusive linguiças e morcilhas e corpos de crianças sendo vendidos como carne…

– Mas e eles não amam seus parentes? Como podem fazer isso se são seres humanos?

– Claro que amam, depois de enterrar os ossos de seu pai todos eles entraram em prantos, como nós o fazemos…

Esta história ocorreu centenas de vezes no interior de um país que naquele momento era chamado de Tahuantinsuyu, hoje Peru, logo após o Rei Inca haver incorporado pacificamente uma série de tribos indígenas, algumas canibais. O primeiro rei Inca Manco Capac prometeu-lhes ter comida, segurança e teto, desde que abandonassem as práticas canibais e seguissem as leis incas.

 

Autor
Meu nome é Alvaro Concha, tenho 4 filhos, moro em Porto União, no estado de Santa Catarina, no sul do Brasil.

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Tradicionalista por Convicção
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